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Projeto fracassa, e Santa Maria não conta com coleta específica para recicláveis

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Pedro Piegas (Diário)

Dois anos após a implantação do projeto Recicle no Laranja, os contêineres laranjas espalhados pela área central de Santa Maria são uma lembrança da tentativa de implantação de coleta seletiva de resíduos recicláveis que fracassou. Em nenhum momento, os materiais depositados nos laranjas puderam ser aproveitados pela Associação dos Selecionadores de Materiais Recicláveis (Asmar), como previsto inicialmente, e após um mês de tentativas, ainda em 2019, o projeto foi abandonado pela prefeitura. Desde então, todo o resíduo depositado nos contêineres para recicláveis é encaminhado para o mesmo destino do restante do lixo: ser enterrado para sempre em uma área do distrito de Santo Antão, onde fica o aterro sanitário do município.

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A ideia era simples: em novembro de 2019, a prefeitura instalou 50 contêineres laranjas, os eco pontos, sem custos adicionais ao poder público. Com cor diferente do tradicional contêiner cinza, deveriam ser depositados ali apenas resíduos recicláveis, como papéis, vidros, plásticos e metais. Esses resíduos seriam recolhidos separadamente e levados até a sede da Asmar, no Bairro Nova Santa Marta, que teria a função de selecionar e destinar o material para a reciclagem. Mas, na prática, nunca funcionou. É esse o diagnóstico de Margarete Vidal, presidente da Asmar, que diz que nada foi aproveitado. Na primeira carga, os recicláveis chegaram misturados com orgânicos, moscas e vermes, o que inviabilizou o manuseio e a reciclagem. O mesmo se repetiu nas cargas seguintes.

- O que a gente percebeu com o Recicle no Laranja é que a ideia de ter um contêiner para o reciclável realmente não funciona - analisa Gerson Vargas Peixoto, superintendente de Licenciamento e Controle Ambiental da prefeitura.

MESMO SEM COLETA SELETIVA, CONTÊINERES LARANJAS PERMANECEM
Mesmo sem adesão da população, que não realizou a separação correta dos resíduos, os contêineres foram mantidos. Para Peixoto, eles ainda cumprem uma "função social":

- Mesmo que não tenhamos uma coleta específica, de forma institucional, feita pelo município, temos várias outras associações e pessoas que trabalham com a reciclagem e que retiram esse material para dar um descarte adequado - explica.

Uma dessas pessoas é a catadora Sandy Machado Schmidt, de 33 anos. Para ela, a separação dos resíduos também é questão de saúde. Não são raros lesões e cortes causados por materiais descartados de forma incorreta. Sandy nem precisa abrir o contêiner laranja na Avenida Borges de Medeiros, próximo da esquina com a Rua Ernesto Beck, para saber que pouco do que está depositado ali poderá ser aproveitado. O cheiro forte de material orgânico em decomposição exala do recipiente que deveria receber apenas papel, vidro, plástico e metal. Grávida de sete meses e sem ter tomado café da manhã, Sandy percorre diversos pontos do projeto Recicle no Laranja todos os dias e constata, sem hesitar, que a coleta seletiva de Santa Maria não funciona.

- A maioria não separa. Colocam no laranja coisas que machucam a gente. Tem o contêiner branco para isso aí, mas tem muitos que não respeitam. Isso quebra a gente - afirma.

Sandy vive de reciclagem há dois anos, e acompanhou a campanha desde o início. A separação efetiva nunca chegou a acontecer.

- Iria ser mais fácil se as pessoas separassem. Seria melhor para eles e para nós. Eu peço por favor, pelo amor de Deus, para nosso bem e de todos, coloquem o lixo reciclável no laranja e o restante no branco - apela Sandy.

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A reportagem do Diário circulou pelos 50 pontos do Recicle no Laranja indicados pela prefeitura na manhã do dia 7 de outubro. A maior parte dos contêineres laranja seguem nos mesmos locais desde a instalação. Apenas cinco não foram localizados: na Avenida Presidente Vargas, em frente ao nº 747; na Avenida Liberdade, nos fundos do Avenida Tênis Clube (ATC), na Rua André Marques, esquina com a Rua Ernesto Beck; na Rua Senador Cassiano do Nascimento, na esquina com a Rua Manoel Gomes Carneiro; e nas proximidades da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos, na Avenida Medianeira.

De forma geral, os equipamentos estão bem preservados e em condições de uso. O problema é que, em todos os contêineres verificados, havia a presença de materiais não recicláveis. O que mais se destaca, pelo cheiro e o aspecto, é o lixo orgânico. Até mesmo restos de poda e de materiais de construção foram observados nos contêineres laranjas.

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Pedro Piegas (Diário)

O QUE DEU ERRADO?
Quinta maior cidade do Rio Grande do Sul e com cerca de 280 mil habitantes, Santa Maria ainda não conseguiu implantar um sistema de coleta seletiva funcional. Conforme a professora da UFSM Marta Tocchetto, doutora em engenharia de materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não é simples implantar a coleta seletiva ampla em um município.

- Esse tipo de iniciativa requer uma sensibilização das pessoas que vão participar. Não basta colocar os contêineres, definir as regras, e achar que por si só as pessoas vão fazer como foi pensado. É necessário um trabalho contínuo de informação, de sensibilização, de mostrar a importância daquilo. E isso faltou. É a principal causa do insucesso. Tudo aquilo que requer uma mudança de comportamento, exige trabalho e estratégias contínuas de mobilização - analisa.

A prefeitura chegou a promover blitzes educativas e entregas de panfletos no começo da campanha. A última menção ao Recicle no Laranja em publicações no site da prefeitura aconteceu em 18 de dezembro de 2019, um mês após o começo do projeto. Na notícia, há um cronograma de ações educativas até o começo de janeiro. No Facebook, a última menção é de 20 de janeiro de 2020.

Os professores do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade Franciscana (UFN), Maria Amélia Zazycki e Jivago Schumacher de Oliveira, também afirmam que a efetiva implantação de um programa de coleta seletiva é um processo lento e contínuo. É necessário um trabalho de conscientização e educação, seja na escola ou em campanhas em bairros, condomínios e empresas.

- Viemos de uma cultura que lixo é lixo, que depois de utilizado um material, o mesmo não tem mais valor econômico e que podemos descartá-lo de qualquer maneira. Precisamos mudar todo um comportamento de uma geração. A sociedade precisa reconhecer o resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania - destacam os professores.

Para Margarete Vidal, presidente da Asmar, a ideia foi boa, mas faltou mobilização e conscientização, principalmente em relação a empresas, para destinação correta dos resíduos.

- Quem vai estar fiscalizando em cada contêiner o material que é colocado? A população ainda não tem conscientização, a responsabilidade com aquilo que produzem - diz.

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ALTERNATIVAS
Um dos modelos propostos por Marta Tocchetto como alternativa para implantação da coleta seletiva é o porta a porta, semelhante ao já praticado na cidade, em que caminhões e coletores recolhem os resíduos deixados pelas pessoas em frente às casas em dias da semana pré-divulgados. A desvantagem é o custo mais elevado do que da coleta conteinerizada. Os professores Maria Amélia Zazycki e Jivago Schumacher de Oliveira também defendem iniciativas mais pontuais, como implantação de locais de entrega voluntárias e o uso de aplicativos, como o Telite, em que é possível trocar o lixo por pontos, que podem ser usados em benefícios no futuro:

- Parcerias com associações de moradores ou de bairros ou condomínios para implantação de lixeiras de coleta seletiva, integração de cooperativas de catadores de materiais recicláveis - apontam os professores.

A Asmar já pratica a coleta de recicláveis no formato porta a porta, com recursos próprios, em 28 bairros da cidade. Como o trabalho é feito há quase 30 anos, moradores da rota colaboram com a coleta, e a separação é feita corretamente. Dois caminhões são utilizados, quando disponíveis. Atualmente, um deles está parado em uma oficina mecânica, e o outro acumula uma dívida de cerca de R$ 9 mil em consertos.

A coleta é semelhante a realizada em Santa Cruz do Sul, município com cerca de 130 mil habitantes e que possui coleta seletiva consolidada. Lá, a prefeitura estabeleceu um termo de cooperação com a Cooperativa de Catadores e Recicladores de Santa Cruz do Sul (Coomcat). O poder público destina, anualmente, cerca de R$ 1 milhão para a Coomcat, que presta o serviço de coleta seletiva porta a porta.

 O município também tem um plano piloto para coleta de resíduos recicláveis em contêineres. São oito, curiosamente na cor laranja, espalhados na área central da cidade desde junho deste ano. Lá, o problema é o mesmo: há quem jogue lixo não-reciclável nos espaços. Entretanto, conforme o secretário de Meio Ambiente, Saneamento e Sustentabilidade, Jaques Eisenberger, há um aumento progressivo de resíduos destinados corretamente nos contêineres para recicláveis.

- Estamos fazendo panfletagem residencial nas áreas onde estão disponíveis os contêineres laranjas, orientando a separação domiciliar e descarte em local adequado e datas corretas - conta.

A coleta seletiva porta a porta envolve investimento e é mais cara que uma coleta convencional conteinerizada. Em Santa Cruz do Sul, o custo médio tonelada é de R$ 1.426 para a porta a porta. Já na coleta convencional, o valor por tonelada é de R$ 120.

- A coleta seletiva, nos moldes como está hoje, com eficiência de 11,8%, não se paga, é muito cara. Obviamente, tem toda uma situação social, de inclusão dos catadores, mas precisa ser uma coleta seletiva bem feita e com eficiência maior para que se pague. É a modalidade mais cara que nós temos. A conteinerizada é mais barata - explica Eisenberger.

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COMISSÃO DEVE CONCLUIR RELATÓRIO ATÉ O FIM DO MÊS
Um relatório sobre a coleta de resíduos sólidos em Santa Maria deve ser divulgado até o final de novembro pela Comissão Especial de Resíduos Sólidos da Câmara de Vereadores. Desde a metade do ano, a comissão analisa os contratos da coleta de lixo em Santa Maria e ouve recicladores, empresas e população para elaborar alternativas aos problemas. Um dos principais é justamente a coleta seletiva.

- Grande parte do resíduo que é depositado no aterro poderia estar sendo destinado para associações que trabalham hoje com reciclagem. Tanto pelo lado econômico, social e ambiental, a coleta seletiva é mais do que necessária em Santa Maria. Temos que reduzir o volume enviado para o aterro e aproveitar esse resíduo reciclável para que possa gerar emprego e renda - analisa Givago Ribeiro (PSDB), vereador que preside a comissão, que tem ainda Danclar Rossatto (PSB) e Ricardo Blattes (PT).

Santa Maria tem três contratos ativos para coleta e destinação dos resíduos sólidos. Um deles é com a Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos, que administra o aterro sanitário. Há ainda um contrato com a Cone Sul, para coleta conteinerizada, e com a Sustentare, da coleta convencional. O custo anual ao município é de cerca de R$ 22 milhões, conforme Gerson Peixoto.

Os três contratos já venceram e tiveram aditivos para prorrogação da vigência. No fim de novembro, encerra o prazo aditivo do contrato com a Sustentare. Os demais contratos vencem no ano que vem. Por isso, conforme Peixoto, há um trabalho de elaboração de termos de referência para novas licitações da coleta de lixo que envolve diversos setores da prefeitura. Para as novas licitações, a ideia é agregar a coleta seletiva no modelo porta a porta, além de fomentar a logística reversa, que prevê maior responsabilidade de todos os envolvidos na produção dos resíduos. A ideia é também auxiliar e fortalecer associações e cooperativas de reciclagem - atualmente, nenhuma das existentes em Santa Maria é licenciada.

- Destaco a importância da regularização dessas entidades que hoje existem. A gente busca apoio para trabalhar melhor essa regularização, tanto para o licenciamento ambiental quanto a questão do alvará sanitário. O município também tem alguns itens a cumprir quando traz essas entidades para um processo licitatório, que é a documentação regular. São itens importantes em que estamos buscando alternativas para como auxiliar também essas entidades - conclui Peixoto.

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